Passo a passo
Conto Contigo
Havia há muito decidido desenvolver uma actividade de
incentivo à leitura que envolvesse não só os alunos, mas também o seu agregado
familiar. Comecei por “sondar” se os alunos estariam receptivos a ler os contos
que eu queria que eles lessem. Logo no início do ano, na primeira aula, em
jeito de boas vindas, li-lhes um conto, o Encontro com a Dama das Histórias, de
que me pareceu terem gostado muito. Passados uns dias, li um outro e, desta
vez, mostraram-se tão entusiasmados que decidi aceder ao seu pedido de lhes
fotocopiar conto (O Relógio da Avó).
Quase todas as semanas, e porque eles sabem que tenho sempre
contos novos “na manga”, leio-lhes mais um, no final de uma aula que acabe uns
minutos mais cedo, por exemplo.
Como prenda de Natal, ofereci-lhes um novo conto, com uma
lindíssima mensagem natalícia: A
Surpresa do Pai Natal. Foi como se lhes tivesse dado o Sol.
Entretanto, fui perguntando se falavam dos contos em casa,
se liam com os pais os que levavam fotocopiados. Que sim, que os pais adoravam,
que queriam voltar a lê-los. Estava preparado o terreno.
Escolhi alguns contos, juntei-lhes um pequeno papelinho:
“Gostou de conto que o seu filho leu? Porquê?” e três linhas para o adulto
explicar por que tinha ou não gostado. Pequenino o papel e pouco espaço para
escrever. Não podia assustá-los pedindo um relatório…
Pensava eu que o terreno estava preparado e que os pais,
pelo menos num número aceitável, viriam a aderir à actividade. Enganava-me. Em
resposta ao primeiro conto, recebi duas cartas: “a minha mãe disse que aquele
espaço não chegava para escrever tudo o que ela queria.”; “está com a minha
letra, mas foi o meu pai que escreveu e eu copiei para esta folha” (um
apontamento pela mão do pai, no fim da página, confirmava). Foi uma surpresa
muito grande.
Os comentários ao terceiro e ao quarto contos eram já mais
elaborados do que os primeiros, que, na maioria, se limitavam a dizer que
gostaram porque “era bonito” ou porque “era interessante”.
Entretanto, começaram a pedir mais, pais e alunos: “a minha
mãe já perguntou quando nos dá mais um conto”, “a minha irmã diz que já lhe
marcou falta”.
Poderia dizer que, nesta altura, eu estava em êxtase. Mas
ficaria sem palavras para descrever o que senti quando, um dia, a Psicóloga da
escola me disse “não sabes o que aconteceu ontem”. E contou-me. No dia anterior
havia decorrido a primeira sessão de uma acção de formação para os pais e
encarregados de educação intitulada “Pais à Medida”. Entre outros temas,
abordou a necessidade de os pais passarem tempo com os filhos – e de esse tempo
ser de qualidade. Um pai concordava, exemplificando com a oferta televisiva,
que absorve, tantas vezes para programas desadequados, a atenção das
crianças/adolescentes, outro pai completava com os jogos de computador, com a
Internet. E foi então que um deles disse: “Agora uma professora tem mandado uns
contos para casa, para eles nos lerem. Estamos ali juntos enquanto eles lêem.
Os contos são sempre muito bonitos. E depois acabamos por ficar meia hora ou
mais a falar daquilo.” Outro pai concordava, acrescentava um comentário, uma
mãe dizia também qualquer coisa. A Psicóloga confessou: “Eu fiquei pasma a
olhar para eles. Deixei-os falar, nem disse nada.” E depois acrescentou “Agora
sou eu quem quer ler esses contos”. Falou-me do entusiasmo com que os pais
falavam dos contos, recontavam as histórias, diziam do bem que os contos
estavam a fazer aos filhos.
Foi nessa altura que achei que podia começar a pedir
comentários mais longos um bocadinho: aumentei o número de linhas de três para
seis, nos tais papelinhos que acompanhavam o conto. Os pais corresponderam, tal
como eu esperava, escrevendo comentários mais elaborados, mais completos.
Aproximando-se o fim do período, escrevi aos pais e também
aos alunos agradecendo a colaboração e pedindo que respondessem a um pequeno
inquérito, no sentido de fazer uma avaliação do projecto e da pertinência de
lhe dar continuidade no terceiro período.
As respostas, que apresento nos gráficos das páginas
seguintes, não deixam dúvidas. Os contos foram um sucesso, dentro e fora da
sala de aula. Sobretudo fora da sala de aula, diria.
É por vezes muito difícil implementar uma actividade na
escola que chegue realmente às casas dos alunos, mas desta vez isso aconteceu
de uma maneira muito bonita. Mais ainda por ter sido através da palavra
escrita, que tanta reserva suscita em algumas pessoas, de todas as idades.
E, se a participação dos pais foi tão surpreendentemente
massiva, parece-me que podemos aprender que, contrariamente ao que por vezes
achamos, os pais dos nossos alunos têm muito para dar. Precisam é de uma
oportunidade.
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