quarta-feira, 14 de junho de 2017

14 de Junho de 1900: Nasce Ofélia Queirós, a namorada de Fernando Pessoa

Ofélia Queirós nasceu em Lisboa no dia 14 de Junho de 1900. Filha de Francisco dos Santos Queirós e de Maria de Jesus Queirós, naturais de Lagos, era a mais nova de oito irmãos. Concluiu o primeiro grau da instrução, embora desejasse ser professora de matemática. No entanto, procurou estar sempre actualizada, estudando Francês e Inglês. Gostava de ler, de ir ao teatro e de conviver. Passava muitas horas em casa do sobrinho, o poeta Carlos Queirós, a conviver com grandes artistas como Carlos Botelho, Vitorino Nemésio, Almada Negreiros, Olavo d'Eça Leal, Teixeira de Pascoaes, José Régio e outros.
Ofélia
Ofélia, no entanto, ficou célebre por ter sido a única namorada conhecida do poeta Fernando Pessoa. Este namoro é caracterizado por duas fases distintas. De 1 de Maio a 29 de Novembro de 1920 e de 11 de Setembro de 1929 a 11 de Janeiro de 1930, embora o contacto entre os dois se mantenha cordial, mas esporádico, até à morte do Poeta.
Esta relação é conhecida pelas cartas que ele lhe escreveu, 48 cartas publicadas em 1978 e precedidas de um texto explicativo da própria Ofélia (testemunho sóbrio e modesto mas muito precioso, dado que é tudo aquilo que tornou público) e das cartas dela para ele, publicadas pela sua sobrinha em 1996, e que só foram publicadas anos depois da morte de Ofélia (1991).
Além desta correspondência, apenas existem testemunhos isolados, demasiado vagos e escassos que recriem ou relembrem este amor. Nem mesmo dos familiares ou amigos mais próximos, porque foi uma relação levada com a máxima discrição e nunca se oficializou. De qualquer maneira, foi o único amor conhecido do poeta, o único nos seus 47 anos de vida; e a publicação em 1996 das cartas de Ofélia para Fernando (um total de 110 cartas, mas certamente foram, no mínimo, mais de uma dúzia, entre extraviadas, ilegíveis e as que a família censurou) lança luz em tantos lados de sombra e destrói o ponto de vista unidireccional (cartas dele para ela) que até então os seus biógrafos contemplavam, principalmente no que respeita à chamada "segunda fase", o período compreendido entre 1929 até quase à morte do poeta.
A primeira fase durou poucos meses e foi marcada por uma paixão sincera. Começa quando Pessoa conhece a jovem, na altura com 19 anos, nos escritórios da Baixa lisboeta, onde ela entra para trabalhar como dactilógrafa e ele já exercia os seus serviços como tradutor de correspondência comercial. A relação é pura e doce. Pessoa trata-a como a uma criancinha. Todos os críticos e estudiosos estão de acordo na não inocência deste tom infantil. A mudança de Ofélia para o outro lado da Cidade, a morte do padrasto e a volta da mãe para Lisboa, somadas ao estado dos nervos do poeta, que se reconhece muito doente, arrefecem o entusiasmo que impulsionava a relação e, em 29 de Novembro de 1920, uma lúcida e cruel mensagem encerra o namoro: "O amor passou... O meu destino pertence a outra Lei, cuja existência a Ophelinha ignora, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam..."
Dez anos depois acontece a retomada do namoro, agora usando igualmente o recurso da voz: já existem telefones em Portugal. O reencontro é motivado por uma fotografia do Poeta a beber no Abel Ferreira da Fonseca, que tinha sido oferecida a Carlos Queirós, sobrinho de Ofélia e amigo de Pessoa. A jovem mostra vontade de possuir uma igual e ele lhe envia uma com a dedicatória: "Fernando Pessoa em flagrante delitro". A 11 de Setembro inicia-se a primeira da segunda série de cartas de amor. Nesta segunda fase, nota-se uma enorme confusão de sentimentos e perturbação psíquica.
Ofélia acabou por seguir a sua vida. A partir de 1936 e até 1955 trabalhou no Secretariado Nacional de Informação – onde, na Tobis, conhece o teatrólogo Augusto Soares (m. 1955), um homem de Teatro, com quem se casa em 1938, três anos após a morte de Pessoa.
Fontes:Librópatas, wikipédia


Fernando Pessoa
[Carta a Ophélia Queiroz - 5 Abr. 1920]

Meu Bebé pequeno e rabino:

Cá estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que está pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chão!); e esse não conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela é muito má, excepto numa coisa, que é na arte de fingir, em que vejo que é mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas não estou pensando em ti . Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da caça aos pombos ; e isto é uma coisa, como tu sabes, com que tu não tens nada...
Foi agradável hoje o nosso passeio — não foi? Tu estavas bem disposta, e eu estava bem disposto, e o dia estava bem disposto também (O meu amigo, não. A. A. Crosse: está de saúde — uma libra de saúde por enquanto, o bastante para não estar constipado).
Não te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. Há para isso duas razões. A primeira é a de este papel (o único acessível agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda é a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplêndido, de que abri uma garrafa, de que já bebi metade. A terceira razão é haver só duas razões, e portanto não haver terceira razão nenhuma. (Álvaro de Campos, engenheiro).
Quando nos poderemos nós encontrar a sós em qualquer parte, meu amor? Sinto a boca estranha, sabes, por não ter beijinhos há tanto tempo... Meu Bebé para sentar ao colo! Meu Bebé para dar dentadas! Meu Bebé para...
(e depois o Bebé é mau e bate-me...) «Corpinho de tentação» te chamei eu; e assim continuarás sendo, mas longe de mim.
Bebé, vem cá; vem para o pé do Nininho; vem para os braços do Nininho; põe a tua boquinha contra a boca do Nininho... Vem... Estou tão só, tão só de beijinhos ...
Quem me dera ter a certeza de tu teres saudades de mim a valer . Ao menos isso era uma consolação... Mas tu, se calhar, pensas menos em mim que no rapaz do gargarejo, e no D. A. F. e no guarda-livros da C. D. & C.! Má, má, má, má, má...!!!!!
Açoites é que tu precisas.
Adeus; vou-me deitar dentro de um balde de cabeça para baixo para descansar o espírito. Assim fazem todos os grandes homens — pelo menos quando têm — 1º espírito, 2º cabeça, 3º balde onde meter a cabeça.
Um beijo só durando todo o tempo que ainda o mundo tem que durar, do teu, sempre e muito teu

Fernando (Nininho).
Fonte: http://arquivopessoa.net/

Sem comentários:

Enviar um comentário