sábado, 18 de fevereiro de 2017

“VIVA SINGAPURA”


Não me considero professor, não no sentido atual. O pouco que tenho para ensinar resume-se a método, trabalho de destrezas e alargamento de repertórios, no resto filio-me em toda uma linha de pedagogos, hoje, em tempos de competição desenfreada mais do que de crescimento e maturação, apenas esquecidos ou desconsiderados, tidos por desinteressantes relíquias de um passado bem recente.

Assumo. Pouco tenho a ver com o ensino atual. Não acredito nele. Mas, sim, existo numa escola e gostava de acreditar que as mudanças se fazem por dentro. Não fazem. É triste, será injusto para muitos de nós, mas não fazem. E tão cedo, tranquilamente ponderado o modelo atual e o que a sociedade pretende hoje de um aluno, também não se farão por via ministerial, não de todo.

Haverá alterações nos curricula, é assim desde sempre. As melhores e as piores. Cada governo faz questão de ‘um toque especial’, muito seu. Mas uma ideia para o ensino do século XXI, de reorganização da realidade escolar, dos curricula, continua a faltar. Hoje, simplesmente, não há perspetiva de futuro. Educar para quê?, o que se pretende?, como trabalhar os nossos alunos/filhos para que sejam melhores pessoas, pessoas cultas, interessadas e responsáveis? A resposta tem sido: especialização, normalização e competição – com a consequente duplicação da carga horária das disciplinas consideradas relevantes, supostamente competitivas no mercado e, naturalmente, a menorização das restantes, até à sua quase inoperalização, um erro tremendo (!). Depois, é uma questão de geografia. Ora modelos do Chile, ora da Finlândia.

A organização escolar é a instituída no século XIX, os currículos estão anquilosados, desmesurados, invertendo em absoluto a ideia de um ensino que se diz básico, ou seja, anterior a uma especialização que se lhe seguiria paulatinamente no secundário e, depois, já a nível universitário, os exames verificam a normalização do pensamento, os PISA a sua adequação ao mercado. É triste, é trágico, mas é a realidade.

Cada vez mais, fertiliza-se (institucionalmente) a ideia de que há disciplinas fundamentais e, sim, perdoe-se-me, que há um ‘resto’, o sobrante, algo que os miúdos têm que ter, mas que não têm qualquer importância. Algo rapidamente assimilado pela vox populi. O contrário absoluto da educação que, na Grécia (e, novamente, no Renascimento!), deu origem e fez a grandiosidade da civilização ocidental. Um fundamentalismo tecnocrático e do ‘empreendedorismo’, patrocinado pelos mídia e, rapidamente digerido pelos consumidores que todos nos tornámos – sim estou a falar também dos professores, mas já antes das famílias, do condicionamento precoce dos miúdos –, e que visa apenas, à imagem do ‘Admirável mundo Novo’, de 1932, de Aldous Huxley, criar uma nova sociedade de classes, fundada, desta vez, na especialização, quando a formação de um ser humano é um todo e, perdoe-se-me novamente, o principal esforço da pedagogia, da educação, na sua aceção maior, deveria ser a formação do indivíduo como um ser completo, herdeiro de toda uma cultura ocidental e aberto às culturas do mundo, e não o Fachidiot, ou ‘idiota especializado’, como o sociólogo Max Weber (1864 -1920), nos anos 10 do século XX, antevendo o que hoje está a acontecer de facto, já o designava.

Hoje, a pedagogia, espezinhada, tornou-se um resto que ainda infeta uma parte cada vez menor da docência, algo, claramente, a extirpar. Não há lugar a perdas de tempo. Não há lugar ao encanto.

Primeiro: turmas com vinte e oito e trinta alunos. Segundo: excesso de trabalho. Um professor hoje em dia não tem mãos a medir! Ele é mais plataformas, mais percentagens, mais Componentes não Letivas, mais grelhas, mais burocracia, mais. Sobretudo, mais. Muito mais do que educar.

Terceiro: programas desmedidos, de modo que se passa para o item seguinte antes de o primeiro estar bem assimilado. Outro crime de lesa interesse. Talvez, seja altura de secundarizar a monstruosidade que são os programas e olharmos para quem realmente temos à nossa frente, em como os podemos levar a cumprir os objetivos de uma educação básica, vista como um todo.

Não. Ser professor não é fácil. Não temos que ser missionários, não há como ser perfeito. Mas temos que ser mediadores entre os filhos de uma sociedade ocidental complexa, miúdos, e ainda bem, todos diferentes uns dos outros. Todos miúdos irrequietos, mas apenas tão irrequietos quanto curiosos, assim as aulas não sejam uma seca. Não, não podemos pretender que damos aulas em Singapura, onde os gajos estão todos calados em turmas de 60 alunos. Essa não é a nossa tradição, e quem o tentar, quem não consegue perceber o que é hoje ter 12 ou 14 anos, sabe que vai abdicar do sucesso de 40% da turma.

E no entanto … Todos somos Singapura.

É triste, mais, é em termos civilizacionais criminoso. Como escreveu William Shakespeare, em Hamlet, Ato I, Cena IV, “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Mas é o ar do tempo. 

Eu recuso-me a colaborar!
Professor de Artes
Carlos Marinho Rocha

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