sexta-feira, 7 de abril de 2023

A infinita possibilidade do amor...

Se há personagem bíblico que nos pode servir de guia para tatear a fundo a vida é indiscutivelmente Pedro. Ele está entre os apóstolos, naquele a quem Jesus confiou o poder das chaves, o avassalador efeito de uma derrocada.
Pedro permite que nos aproximemos da paixão de Jesus. Porém, a janela que nos propõe não é um balcão cómodo, já que nos desafia ao contato prévio com a nossa própria dor. E, como escreveu a romancista Clarice Lispector, “a dor não é alguma coisa que nos acontece, mas o que somos”. Pedro julgava-se preparado para acompanhar Jesus até ao fim, para protegê-lo do que aí viesse, para dar a sua vida se necessário fosse.
Contudo, quanto mais se tentava limitar ao papel distanciado de espectador, mais implicado se percebia; quanto mais procurava escapar, mais se adentrava; quanto mais se declarava a sua ignóbil fraqueza, mais se reforçava a arquitetura de um amor que o destino do Messias torna evidente, mas que até aí Pedro desconhecia. Saber reconhecer a própria incoerência, a própria contradição, o erro, o fracasso e até mesmo a traição não impede o amor.
Jesus destituiu as idealizações heroicas que da nossa humanidade fazemos, como se por nós próprios pudéssemos garantir a salvação de alguma coisa. A última imagem que o evangelho de Marcos dá de Pedro é ele chorando. Uma imagem de fragilidade, mas que tem alguma coisa a ensinar-nos. Refere o psicanalista italiano Massimo Recalcati: “As lágrimas de Pedro esclarecem algo de essencial do amor humano. É sempre possível cair na armadilha da traição, não ser coerentes com a própria palavra, contradizer-se, errar, fracassar, trair o próprio desejo. Mas saber reconhecer a própria incoerência, a própria contradição, o erro, o fracasso e até mesmo a traição não impede o amor, mas como que o funda, o torna possível, o institui.” O pranto de Pedro não prefigura, por isso, a impossibilidade do amor, mas o seu repartir real e incessante, pois nos ancora na radical gratuidade do que Jesus oferece a cada pessoa.

Cardeal D. José Tolentino Mendonça

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