quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

"Em Cruz não Era Acabado", de Natália Correia

Em Cruz não Era Acabado

As crianças viravam as folhas

dos dias enevoados

e da página do Natal

nasciam os montes prateados


da infância. Intérmina, a mãe

fazia o bolo unido e quente

da noite na boca das crianças

acordadas de repente.


Torres e ovelhas de barro

que do armário saíam

para formar a cidade

onde o menino nascia.


Menino pronunciado

como uma palavra vagarosa

que terminava numa cruz

e começava numa rosa.


Natal bordado por tias

que teciam com seus dedos

estradas que então havia

para a capital dos brinquedos.


E as crianças com a tinta invisível

do medo de serem futuro

escreviam os seus pedidos

no muro que dava para o impossível,


chão de estrelas onde dançavam

a sua louca identidade

de serem no dicionário

da dor futura: saudade. 

Natália Correia, in 'O Dilúvio e a Pomba'



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