sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

"A Casa" de Mia Couto

 A Casa

Sei dos filhos

pelo modo como ocupam a casa:

uns buscam os recantos,

outros existem à janela.

A uns satisfaz uma sombra,

a outros nem o mundo basta.

Uns batem com a porta,

outros hesitam como se não houvesse saída.

Raras vezes sou pai.

Sou sempre todos os meus filhos,

sou a mão indecisa no fecho,

sou a noite passada entre relógio e escuro.

Em mim ecoa a voz

que, à entrada, se anuncia: cheguei!

E eu sorrio, de resposta: chegou?

Mas se nunca ninguém partiu…

E tanto em mim

demoram as esperas

que me fui trocando por soalho

e me converti em sonolenta janela.

Agora, eu mesmo sou a casa,

casa infatigável casa

a que meus filhos

eternamente regressam.

Mia Couto, Tradutor de chuvas


Sem comentários:

Enviar um comentário