Como Amar uma Mulher (e sobreviver)
Esta é uma conversa só para homens. Minhas senhoras,
queridas leitoras, por favor saiam neste parágrafo e fechem a página. Saíram?
Será que saíram todas?
Estamos então entre nós. Bom, é que eu preciso de desabafar.
Sou um homem que gosta de mulheres. Muita gente acha que não há nisto nada de
extraordinário. Enganam-se: são poucos os homens que gostam de mulheres. É para
estes, na verdade, que escrevo esta crónica. Os outros, os que pensam que
gostam de mulheres — mas nunca entrançaram os cabelos do seu amor —, esses
podem também fechar a página.
Agora, sim, estamos entre nós. Dizia eu que gosto de
mulheres. O problema é que, por vezes, sinto uma enorme dificuldade em tolerar
certas manifestações da natureza feminina. Por exemplo a mania da ordem.
Ordenar é sempre uma violência. Nós, homens, respeitamos as obscuras leis da
física. Sabemos que o universo caminha para o caos. Contrariar o caos
parece-nos uma impiedade. Há uma lógica indomável na desordem natural que um
escritório adquire ao fim de largos anos de intensivo uso masculino. Cada coisa
no seu lugar incerto. Mostrem-me um escritório arrumado e eu mostrar-vos-ei um
espírito desocupado. Mostrem-me uma repartição impecavelmente limpa e ordenada
e eu mostrar-vos-ei um dormidouro de apáticos e negligentes.
A paciente desorganização do universo, no entanto, não
resiste à fúria arrumadora das mulheres. Um homem leva anos para transtornar
convenientemente o seu local de trabalho. E então distrai-se, ou apaixona-se (é
a mesma coisa), permite que uma mulher aceda a esse lugar sagrado e em escassas
horas ela vira-o de pernas para o ar — isto é, arruma-o.
As mulheres não conseguem compreender porque é que guardamos
as esferográficas dentro de um sapato velho. Nós também não compreendemos, mas
— meu Deus! — sabemos que isso não é coisa para ser compreendida. E aquele o
lugar das esferográficas, certo? Isso basta-nos.
Podia falar ainda da clássica guerra da tampa da sanita mas
falta-me espaço. Não resisto no entanto a deixar aqui uma anedota feminista de
circulação recente — Pergunta: «Quantos homens são necessários para mudar um
rolo de papel higiénico?» Resposta: «Não se sabe, nunca aconteceu.» Acredito.
Durante muito tempo pensei que aquilo fosse um processo automático, sei lá, que
eles se mudassem a si próprios.
E pronto, desabafei.
Querem saber agora qual o segredo para amar uma mulher e
sobreviver?
Eu também.
José Eduardo Agualusa, in 'A Substância do Amor'
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