sábado, 2 de janeiro de 2021

Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.

Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua. 
Ninguém anda mais depressa do que as pernas que tem. 
Se onde quero estar é longe, não estou lá num momento. 

Sim: existo dentro do meu corpo. 
Não trago o sol nem a lua na algibeira. 
Não quero conquistar mundos porque dormi mal, 
Nem almoçar o mundo por causa do estômago. 
Indiferente? 
Não: filho da terra, que se der um salto, está em falso, 
Um momento no ar que não é para nós, 
E só contente quando os pés lhe batem outra vez na terra, 
Traz! na realidade que não falta! 

Não tenho pressa. Pressa de quê? 
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos. 
Ter pressa é crer que a gente passe adiante das pernas, 
Ou que, dando um pulo, salte por cima da sombra. 
Não; não tenho pressa. 
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega - 
Nem um centímetro mais longe. 
Toco só aonde toco, não aonde penso. 
Só me posso sentar aonde estou. 
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras, 
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa, 
E somos vadios do nosso corpo. 
E estamos sempre fora dele porque estamos aqui. 

 Alberto Caeiro, Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.

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