sábado, 16 de março de 2024

"Entre março e abril" de Eugénio de Anddrade

Que cheiro doce e fresco,

por entre a chuva

me traz o sol,

me traz o rosto,

entre março e abril

o rosto que foi meu,

o único

que foi afago e festa e primavera?

O cheiro puro de só da terra!

não das mimosas,

que já tinham florido

no meio dos pinheiros;

não dos lilases,

pois era cedo ainda

para mostrarem

o coração às rosas;

mas das tímidas, doces flores

de cor difícil,

entre limão e vinho,

entre marfim e mel

abertas no canteiro junto ao tanque

Frésias,

ó pura memória

de ter cantado —

pálidas, fragrantes,

entre chuva e sol

e chuva

— que mãos vos colhem,

agora que estão mortas

as mãos que foram minhas?

Eugénio de Andrade



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