segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Jorge de Sena | 1919-1978

O homem que queria ser tudo...

ilustração de Victor Couto

Na altura em que a coleção Miniatura reedita "Sinais de Fogo", Carlos Maria Bobone escreve sobre o "romance abafado" onde Jorge de Sena tece "uma espécie de vida asfixiada num mundo pequenino".

“No romance não me restrinjo em nada: cenas, personagens, descrições sexuais, a linguagem e os gestos crus, tudo está posto friamente por claro, através de um narrador que sou e não sou eu.(…) Por enquanto, contento-me com acabar o 1º volume: o pórtico dessa recherche du temps perdu, mas contada não por um Proust mas por uma espécie de Céline na crueza que o Proust evitou.”

Assim descreve Sena a Eugénio de Andrade aquilo que, sabemo-lo, viria a ser Sinais de Fogo. Ora, aquilo que queria para o livro, conseguiu-o Sena para esta apresentação: mais do que um descritivo do seu romance, é um “pórtico” para toda a personalidade literária de Jorge de Sena. Cada palavra é quase um traço de carácter: a ambição desmedida, séria e infantil ao mesmo tempo, a vontade de tocar tudo, uma certa aspereza intelectual e até uma incerteza ou insegurança que o levava a tentear por vários caminhos literários. Sena foi tudo aquilo que escreve.

“Não me restrinjo em nada”, avisa, como em tantas das promessas de devastar o meio literário português, meio que lhe considerava tão adverso, por mais honras que lhe prestassem. Tinha, é certo, alguns inimigos de estimação, entre Natália Correia e Cesariny, que tomara de ponta a vaidade um tanto pueril de Sena e gostava de a picar. Acontece que em Sena este orgulho ferido foi várias vezes fermento poético de gabarito. Não é preciso chegar às famosas Dedicácias, em que alguns dos poemas satíricos são do mais violento que há; há, mesmo quando não se dirige a ninguém, um tom devastador na literatura de Sena. Eugénio Lisboa nota, numa apresentação à poesia de Jorge de Sena, a importância que ele dá ao mar. Sena, o marinheiro falhado contra vontade, o rapaz insatisfeito que conseguiu aplacar o nervoso no mar e se viu obrigado a desistir de o navegar, teria conservado uma imagem maravilhada do Oceano.


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